Quando eu era puto na minha aldeia da Beira Litoral não se trocavam prendas de Natal, ou pelo menos da forma como agora se faz..
Os parcos ordenados dos nossos pais ( pais, no masculino, porque as mães eram essencialmente donas de casa/camponesas ) não davam grande espaço para o nível de consumo a que estamos agora habituados.
Praticamente só os miúdos as recebiam e eram quase sempre constituídas por aqueles objectos de que necessitávamos sendo, obviamente, a roupa e o calçado as prioridades, não fossem os putos fazer má figura no baile da aldeia, apresentando-se de meia sola remendada ou camisola desbotada!
Em geral, os adultos não trocavam presentes entre si e não se sentia qualquer tipo de obrigação social ou recriminação pelo facto de não se ter dado um presente à pessoa X ou Y.
Evidentemente que, o sentimento era recíproco e do outro lado também ninguém se sentia desiludido por não ter recebido ou dado alguma coisa a outrem.
Este hábito não significa que não houvesse trocas entre as pessoas, pois esta era a altura ideal para as ofertas dos produtos produzidos pelos próprios e de que poderiam ter alguma abundância.
Quem tinha uma boa nogueira podia oferecer um saco de nozes para juntar às iguarias da Consoada e quem sabe se não recebia uma bela "abóbora menina" para os filhoses do dia 24!
Com o passar do tempo e aumento gradual do poder de compra as pessoas da aldeia passaram a ter alguma disponibilidade financeira para oferecer aquilo que não tinham e já não só o
excedente, fruto do trabalho agrícola na maior parte das vezes. É aí que me lembro de ver os mais velhos a dar outras prendas a outras pessoas, nascendo o (confortável) hábito de oferecer as
peuguinhas quentes ou o par de cuecas a estrear no ano novo!
Este hábito tão português e que se prolongou no tempo quase até aos nossos dias pode parecer "cafona" e "parolo" porque as pessoas tendem a esquecer que essas pequenas lembranças,
fora daquilo que era o tal esquema de trocas dos excedentes agrícolas, está na génese daquilo que são hoje os nossos hábitos de troca de presentes no Natal. A quadra natalícia rural e tranquila da minha infância, acabou no momento em que as pessoas, já prisioneiras das influências urbanas veiculadas pela TV, começam a dar presentes fora daquela esfera sócio-económica restrita de que já falei.
Os hábitos urbanos instalaram-se progressivamente e a TV foi conseguindo vender ao mundo rural o hábito, tornado já obrigação moral, de oferecer prendas no Natal a toda a família e não só.
Este processo de incentivo à compra nos nossos dias transformou o Natal numa fúria consumista. Gostava de saber quantos miúdos desconhecem que, na origem do Natal, está a história cristã de um miúdo pobre, ao cuidado de um carpinteiro que precisa da ajuda de um burro e de uma vaca para se aquecer no seu "colchão" de palha...?
Obviamente que a figura de Jesus, esse miúdo pobre e desamparado, que foge para não ser assassinado, como fogem tantas crianças hoje, na mesma zona do globo, também para não
serem elas assassinadas por radicais e pobres de espírito e pelos senhores da guerra, é uma história que não interessa contar. É uma história que não vende, porque é real, é triste e essencialmente porque se repete desde há 2000 anos sem que nós, os ditos homens da boa boa vontade a consigamos parar...
A história de Natal que nos contam é a história do Pai Natal, esse "boneco", criado pela Coca-Cola, imagem tão mais simpática do que um esfarrapado em fuga pelos desertos arábicos. Os miúdos de hoje cada vez sabem menos sobre a existência desse tal menino Jesus, mas conhecem de cor o percurso televisionado do velhote simpático, desde a Lapónia até sua casa.
O Pai Natal é a figura central da fúria consumista em que tornámos esta quadra do ano, é um tipo gordinho, bem nutrido, que reluz na sua missão de levar presentes a todas as crianças do
mundo, sem excepção!
Podíamos ao menos ser espertos, fazendo como os Espanhóis, e deixar a missão do Sr. Coca-Cola para o dia que deu origem a esta tradição de oferta, o dia de Reis, mas não, continuamos
teimosamente a tornar esta quinzena de Dezembro uma verdadeira aflição de busca, procura e embrulha, induzidos pela caixa que governa o Mundo e movidos por um sentimento de culpa
que nos foi paulatinamente sendo inculcado de nunca quebrar a corrente de troca...
Esta corrente faz mover milhões de euros e eu não tenho nada contra isso a não ser o facto de amanhã de manhã o caixote do lixo de milhões de lares por esse mundo fora estar cheio com a
ex-última versão da consola xptO de 2021 ou o casaco de Dezembro de 2020 que afinal já não está na moda e que vai engrossar os milhões de toneladas de lixo que, entretanto são
discretamente enviadas para determinadas zonas / países por onde o Sr. Santa Klaus se esqueceu de passar e onde as esperam milhares de meninos que vivem de catar lixo!
E dou por mim a pensar, tão felizes que seriam essas crianças na simplicidade do meu Natal de há 40 anos, onde sem receber presentes, recordo com saudade a espera pelo arroz doce que
vai misturando o seu cheiro com o frito dos filhoses e eu menino, saio e volto a entrar vezes sem conta apreciando as conversas ali mesmo à minha porta no adro da capela, onde a fogueira de Natal irá arder até ao dia de ano novo. A casa está quente, lá fora a singela iluminação pública de Natal da época é apenas um adereço porque a verdadeira luz está nas pessoas, novos e velhos que junto à fogueira que ilumina as paredes da minha casa, conversam animadamente, mais ou menos aquecidas pela cepa irão por ali ficar até de madrugada e eu terei o privilégio de ali ficar à fogueira que aquece a parede do meu quarto.
Ali ficarei, em mais um Natal em que não tive direito a mais do que uns doces como presente e, claro, à roupa nova para estrear no bailarico de ano novo.
Tenho 10 anos, não tenho o quarto a abarrotar de brinquedos, nem nunca irei ter, mas sou feliz porque na minha cabeça isso nunca foi importante!
Os parcos ordenados dos nossos pais ( pais, no masculino, porque as mães eram essencialmente donas de casa/camponesas ) não davam grande espaço para o nível de consumo a que estamos agora habituados.
Praticamente só os miúdos as recebiam e eram quase sempre constituídas por aqueles objectos de que necessitávamos sendo, obviamente, a roupa e o calçado as prioridades, não fossem os putos fazer má figura no baile da aldeia, apresentando-se de meia sola remendada ou camisola desbotada!
Em geral, os adultos não trocavam presentes entre si e não se sentia qualquer tipo de obrigação social ou recriminação pelo facto de não se ter dado um presente à pessoa X ou Y.
Evidentemente que, o sentimento era recíproco e do outro lado também ninguém se sentia desiludido por não ter recebido ou dado alguma coisa a outrem.
Este hábito não significa que não houvesse trocas entre as pessoas, pois esta era a altura ideal para as ofertas dos produtos produzidos pelos próprios e de que poderiam ter alguma abundância.
Quem tinha uma boa nogueira podia oferecer um saco de nozes para juntar às iguarias da Consoada e quem sabe se não recebia uma bela "abóbora menina" para os filhoses do dia 24!
Com o passar do tempo e aumento gradual do poder de compra as pessoas da aldeia passaram a ter alguma disponibilidade financeira para oferecer aquilo que não tinham e já não só o
excedente, fruto do trabalho agrícola na maior parte das vezes. É aí que me lembro de ver os mais velhos a dar outras prendas a outras pessoas, nascendo o (confortável) hábito de oferecer as
peuguinhas quentes ou o par de cuecas a estrear no ano novo!
Este hábito tão português e que se prolongou no tempo quase até aos nossos dias pode parecer "cafona" e "parolo" porque as pessoas tendem a esquecer que essas pequenas lembranças,
fora daquilo que era o tal esquema de trocas dos excedentes agrícolas, está na génese daquilo que são hoje os nossos hábitos de troca de presentes no Natal. A quadra natalícia rural e tranquila da minha infância, acabou no momento em que as pessoas, já prisioneiras das influências urbanas veiculadas pela TV, começam a dar presentes fora daquela esfera sócio-económica restrita de que já falei.
Os hábitos urbanos instalaram-se progressivamente e a TV foi conseguindo vender ao mundo rural o hábito, tornado já obrigação moral, de oferecer prendas no Natal a toda a família e não só.
Este processo de incentivo à compra nos nossos dias transformou o Natal numa fúria consumista. Gostava de saber quantos miúdos desconhecem que, na origem do Natal, está a história cristã de um miúdo pobre, ao cuidado de um carpinteiro que precisa da ajuda de um burro e de uma vaca para se aquecer no seu "colchão" de palha...?
Obviamente que a figura de Jesus, esse miúdo pobre e desamparado, que foge para não ser assassinado, como fogem tantas crianças hoje, na mesma zona do globo, também para não
serem elas assassinadas por radicais e pobres de espírito e pelos senhores da guerra, é uma história que não interessa contar. É uma história que não vende, porque é real, é triste e essencialmente porque se repete desde há 2000 anos sem que nós, os ditos homens da boa boa vontade a consigamos parar...
A história de Natal que nos contam é a história do Pai Natal, esse "boneco", criado pela Coca-Cola, imagem tão mais simpática do que um esfarrapado em fuga pelos desertos arábicos. Os miúdos de hoje cada vez sabem menos sobre a existência desse tal menino Jesus, mas conhecem de cor o percurso televisionado do velhote simpático, desde a Lapónia até sua casa.
O Pai Natal é a figura central da fúria consumista em que tornámos esta quadra do ano, é um tipo gordinho, bem nutrido, que reluz na sua missão de levar presentes a todas as crianças do
mundo, sem excepção!
Podíamos ao menos ser espertos, fazendo como os Espanhóis, e deixar a missão do Sr. Coca-Cola para o dia que deu origem a esta tradição de oferta, o dia de Reis, mas não, continuamos
teimosamente a tornar esta quinzena de Dezembro uma verdadeira aflição de busca, procura e embrulha, induzidos pela caixa que governa o Mundo e movidos por um sentimento de culpa
que nos foi paulatinamente sendo inculcado de nunca quebrar a corrente de troca...
Esta corrente faz mover milhões de euros e eu não tenho nada contra isso a não ser o facto de amanhã de manhã o caixote do lixo de milhões de lares por esse mundo fora estar cheio com a
ex-última versão da consola xptO de 2021 ou o casaco de Dezembro de 2020 que afinal já não está na moda e que vai engrossar os milhões de toneladas de lixo que, entretanto são
discretamente enviadas para determinadas zonas / países por onde o Sr. Santa Klaus se esqueceu de passar e onde as esperam milhares de meninos que vivem de catar lixo!
E dou por mim a pensar, tão felizes que seriam essas crianças na simplicidade do meu Natal de há 40 anos, onde sem receber presentes, recordo com saudade a espera pelo arroz doce que
vai misturando o seu cheiro com o frito dos filhoses e eu menino, saio e volto a entrar vezes sem conta apreciando as conversas ali mesmo à minha porta no adro da capela, onde a fogueira de Natal irá arder até ao dia de ano novo. A casa está quente, lá fora a singela iluminação pública de Natal da época é apenas um adereço porque a verdadeira luz está nas pessoas, novos e velhos que junto à fogueira que ilumina as paredes da minha casa, conversam animadamente, mais ou menos aquecidas pela cepa irão por ali ficar até de madrugada e eu terei o privilégio de ali ficar à fogueira que aquece a parede do meu quarto.
Ali ficarei, em mais um Natal em que não tive direito a mais do que uns doces como presente e, claro, à roupa nova para estrear no bailarico de ano novo.
Tenho 10 anos, não tenho o quarto a abarrotar de brinquedos, nem nunca irei ter, mas sou feliz porque na minha cabeça isso nunca foi importante!
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