sexta-feira, março 20, 2020

PRIMAVERA

Hoje. Retirar as coisas da corda da roupa, vem aí a chuva. Passear os cães logo pela manhãzinha e desafogar umas árvores pequenas das ervas que a circundam, para deixar a chuvinha entrar toda nos poros da terra. Encher garrafões com água da chuva acumulada nos bidons colocados no beiral, para poder regar no final de Primavera e todo o Verão. Retirar das nespereiras as nêsperas que estão completamente apanhadas pelo pedrado. Voltar a casa para um belo pequeno-almoço, depois de retirar a roupa húmida do corpo. A chuva já chegou entretanto. Um dia para tratar de coisas da cozinha, sai um chucrute e mais alguma coisa. Para arrumar papeladas na secretária também está bom. E ler um par de capítulos do Memorial do Convento, estou a chegar ao fim. Belimunda Sete Luas já faz parte da minha vida, como muitos outros personagens dos vários livros que já li. Demorou a chegar, mas veio na altura certa. Há que ir às compras e passear a Maisie, mesmo que esteja a chover. Amanhã já passa a chuva e estaremos de fim-de-semana, com outros trabalhos de campo. A época de ouro para fazer palhuças à volta das árvores de fruto. Ao fim do dia, RTP 2, para umas aulas de catalão e de alguma filosofia, com o professor Merlí. Chegou a Primavera.

quinta-feira, março 19, 2020

Y OLÉ! OBRIGADO RTP 2

Há coisas bonitas que a RTP 2 nos vai oferecendo. Este espectáculo foi um deles, passou no passado sábado à noite. Do francês José Montalvo, em homenagem à Andalucia, onde viveu em pequeno. Esteve disponível na RTP Play e deixo aqui um muito pequeno resumo em video do Youtube:

terça-feira, março 17, 2020

MATA BICHO

Ponto final. Fiz o último pão em casa utilizando o fermento natural. Matei os bichos que durante meses, anos, foram transformando o glúten da farinha de trigo do pão, quase alentejano, que ia fazendo em casa. A obrigação era fazer pão pelo menos uma vez por semana, para utilizar parte da massa fermentada, e juntar mais farinha de centeio e água à cerca de uma colher de sopa de massa fermentada que ficava no frasco. Mexer bem e deixar cerca de 24 horas à temperatura ambiente, para os bichos se reproduzirem, e depois usar novamente ou guardar no frigorífico, até ao dia de voltar a fazer pão. Muito pãozinho mais saudável se comeu, e quando estava acabado de fazer era irresistível. Gula essa que já era menos saudável, até porque o calorzinho do pão arrasta a manteiguinha… e outras coisas.
Foi a Sara que me confiou o bicho, sei lá há quanto tempo, mas terá sido um par de anos. A Sara que é uma daquelas raras pessoas que está muito lá à frente em termos de estilo de vida, da geração que já herdou um planeta muito destruído e que percebeu que é preciso mesmo fazer alguma coisa de diferente. A geração que reacende a esperança, a geração cujos filhos serão eles próprios escravos ou guerreiros do arco-íris. Fica aqui o agradecimento público e para memória. E em memória dos bichos. Em tempos de pandemia, é bom lembrar que os micro-organismos não são só coisas prejudiciais. Nós transportamos e alimentamos em nós, e temos à nossa disposição, uma muito grande colecção de micro-organismos que são nossos amigos. Não os vemos, é certo, mas o defeito é nosso. Porque muitas vezes não vemos nem queremos ver.

segunda-feira, março 16, 2020

A JUSTIÇA EM PORTUGAL

A verdade é que as coisas vão evoluindo. Os juízes, essa classe de advogados que por estudo e vocação ascendem a essa classe de intocáveis, também começaram a ser averiguados. Fico contente, pois da minha experiência com o sistema judicial ainda não apanhei nenhum juiz verdadeiramente competente. Mesmo quando ganhei algumas causas. O que ficou mais bem visto em termos de competência foi o que me condenou a trabalho social por ter desobedecido à GNR, quando me coloquei à frente das máquinas que estavam a destruir ilegalmente os solos agrícolas de Ílhavo (link para a malfadada memória).
Fica aqui o retrato da justiça portuguesa feito pelo genial José Saramago, autor do "Ensaio sobre a cegueira", obra que nestes dias virais é sempre bom ler ou relembrar. Este retrato está noutra obra, o "Memorial do Convento":
"Dizem que o reino anda mal governado, que nele está de menos a justiça, e não reparam que ele está como deve estar, com sua venda nos olhos, sua balança e sua espada, que mais queríamos nós, era o que faltava, sermos os tecelões da faixa, os aferidores dos pesos e os alfagemes do cutelo, constantemente remendando os buracos, restituindo as quebras, amolando os fios, e enfim perguntando ao justiçado se vai contente com a justiça que se lhe faz, ganhado ou perdido o pleito. Dos julgamentos do Santo Ofício não se fala aqui, que esse tem bem aberto os olhos, em vez da balança um ramo de oliveira, e uma espada afiada onde a outra é romba e com bocas. Há quem julgue que o raminho é da paz, quando está muito patente que se trata do primeiro graveto da futura pilha de lenha, ou te corto, ou te queimo, por isso é que, havendo que faltar à lei, mais vale apunhalar a mulher, por suspeita de infidelidade, que não honrar os fiéis defuntos, a questão é ter padrinhos que desculpem o homicídio e 1000 cruzados para pôr na balança, nem é para outra coisa que a justiça a leva na mão. Castiguem-se lá os negros e os vilões para que não se perca o valor do exemplo, mas honre-se a gente de bem e de bens, não lhe exigindo que pague as dívidas contraídas, que renuncie à vingança, que emende o ódio, e, correndo pleitos, por não se poderem evitar de todo, venham a rabulice, a trapaça, a apelação, a praxe, os ambages, para que vença tarde quem por justiça justa deveria vencer cedo, para que tarde perca quem deveria perder logo. É que, entretanto, vão-se mungindo as tetas do bom leite que é o dinheiro, requeijão precioso, supremo queijo, manjar de meirinho e solicitador, de advogado e inquiridor, de testemunha e julgador, se falta algum é porque o esqueceu o padre Antonio Vieira e agora não lembra.
Estas são as justiças visíveis. (...)"

PS - Não tive que fazer a cópia deste excerto porque o apanhei no site das frases e pensamentos (link). Só tive que fazer pequenos ajustes e correcções, para ficar rigorosamente igual ao original do Saramago.