segunda-feira, março 16, 2020

A JUSTIÇA EM PORTUGAL

A verdade é que as coisas vão evoluindo. Os juízes, essa classe de advogados que por estudo e vocação ascendem a essa classe de intocáveis, também começaram a ser averiguados. Fico contente, pois da minha experiência com o sistema judicial ainda não apanhei nenhum juiz verdadeiramente competente. Mesmo quando ganhei algumas causas. O que ficou mais bem visto em termos de competência foi o que me condenou a trabalho social por ter desobedecido à GNR, quando me coloquei à frente das máquinas que estavam a destruir ilegalmente os solos agrícolas de Ílhavo (link para a malfadada memória).
Fica aqui o retrato da justiça portuguesa feito pelo genial José Saramago, autor do "Ensaio sobre a cegueira", obra que nestes dias virais é sempre bom ler ou relembrar. Este retrato está noutra obra, o "Memorial do Convento":
"Dizem que o reino anda mal governado, que nele está de menos a justiça, e não reparam que ele está como deve estar, com sua venda nos olhos, sua balança e sua espada, que mais queríamos nós, era o que faltava, sermos os tecelões da faixa, os aferidores dos pesos e os alfagemes do cutelo, constantemente remendando os buracos, restituindo as quebras, amolando os fios, e enfim perguntando ao justiçado se vai contente com a justiça que se lhe faz, ganhado ou perdido o pleito. Dos julgamentos do Santo Ofício não se fala aqui, que esse tem bem aberto os olhos, em vez da balança um ramo de oliveira, e uma espada afiada onde a outra é romba e com bocas. Há quem julgue que o raminho é da paz, quando está muito patente que se trata do primeiro graveto da futura pilha de lenha, ou te corto, ou te queimo, por isso é que, havendo que faltar à lei, mais vale apunhalar a mulher, por suspeita de infidelidade, que não honrar os fiéis defuntos, a questão é ter padrinhos que desculpem o homicídio e 1000 cruzados para pôr na balança, nem é para outra coisa que a justiça a leva na mão. Castiguem-se lá os negros e os vilões para que não se perca o valor do exemplo, mas honre-se a gente de bem e de bens, não lhe exigindo que pague as dívidas contraídas, que renuncie à vingança, que emende o ódio, e, correndo pleitos, por não se poderem evitar de todo, venham a rabulice, a trapaça, a apelação, a praxe, os ambages, para que vença tarde quem por justiça justa deveria vencer cedo, para que tarde perca quem deveria perder logo. É que, entretanto, vão-se mungindo as tetas do bom leite que é o dinheiro, requeijão precioso, supremo queijo, manjar de meirinho e solicitador, de advogado e inquiridor, de testemunha e julgador, se falta algum é porque o esqueceu o padre Antonio Vieira e agora não lembra.
Estas são as justiças visíveis. (...)"

PS - Não tive que fazer a cópia deste excerto porque o apanhei no site das frases e pensamentos (link). Só tive que fazer pequenos ajustes e correcções, para ficar rigorosamente igual ao original do Saramago.

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