terça-feira, março 17, 2020

MATA BICHO

Ponto final. Fiz o último pão em casa utilizando o fermento natural. Matei os bichos que durante meses, anos, foram transformando o glúten da farinha de trigo do pão, quase alentejano, que ia fazendo em casa. A obrigação era fazer pão pelo menos uma vez por semana, para utilizar parte da massa fermentada, e juntar mais farinha de centeio e água à cerca de uma colher de sopa de massa fermentada que ficava no frasco. Mexer bem e deixar cerca de 24 horas à temperatura ambiente, para os bichos se reproduzirem, e depois usar novamente ou guardar no frigorífico, até ao dia de voltar a fazer pão. Muito pãozinho mais saudável se comeu, e quando estava acabado de fazer era irresistível. Gula essa que já era menos saudável, até porque o calorzinho do pão arrasta a manteiguinha… e outras coisas.
Foi a Sara que me confiou o bicho, sei lá há quanto tempo, mas terá sido um par de anos. A Sara que é uma daquelas raras pessoas que está muito lá à frente em termos de estilo de vida, da geração que já herdou um planeta muito destruído e que percebeu que é preciso mesmo fazer alguma coisa de diferente. A geração que reacende a esperança, a geração cujos filhos serão eles próprios escravos ou guerreiros do arco-íris. Fica aqui o agradecimento público e para memória. E em memória dos bichos. Em tempos de pandemia, é bom lembrar que os micro-organismos não são só coisas prejudiciais. Nós transportamos e alimentamos em nós, e temos à nossa disposição, uma muito grande colecção de micro-organismos que são nossos amigos. Não os vemos, é certo, mas o defeito é nosso. Porque muitas vezes não vemos nem queremos ver.

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