Volta ao Malfadado o Mudar de Vida. Acho que depois da partida do José Mário Branco não fiz aqui a merecida homenagem póstuma. Na verdade não considero essenciais as coisas póstumas...
O meu pai tem uma lista de reproduções do youtube com muita música clássica, mas também outras coisas musicais que foi pescando aqui e ali. Estava ele a mostrar-me esta sua colecção quando apareceu esta versão curta desta música fundamental, que deu origem ao documentário emocionante que vi na íntegra há uns anos atrás, sobre a vida do José Mário Branco. Mais do que um compositor, o José Mário Branco está no mesmo patamar intelectual e até filosófico do José Saramago. Grande observador da sociedade, grande inventor de muitas poesias e textos.
Pesquisando na net descobri a letra integral desta obra musical (link aqui), que fala do mudar de vida de forma sentida e analisando a sociedade. Retirado de um arquivo elaborado e mantido pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa (link aqui para os mais curiosos e desconhecedores). Nesta versão reduzida a letra foi cortada, pois claro, e para apreciar o texto cantado o utilizado do Youtube colocou legendas, mas em versão tradução automática, com coisas que não fazem sentido. Por isso não liguem as legendas do youtube e vejam, leiam, sigam aqui a letra (coloquei entre parêntesis partes do texto que fazem sentido, e eliminei pelo meio muito do texto que não aparece nesta versão curta):
Hesitei
Se havia de escrever esta canção
Porque a vida não se pode resumir numa canção
Mudar de vida…
Mudar de vida é uma questão
qu’inda não está resolvida
Aliás, para quê mudar de vida?
Estará assim tão mal a minha vida?
Mas o que é a minha vida
senão a própria vida
que está contida
em toda a força perdida
em toda a vida perdida
consumida
passada, repassada, ultrapassada
como se não fosse vida?
A minha vida – não há
Uma vida mesmo vida
só pode ser um espaço
que está dentro de um abraço
que se dá ou não se dá
Vida verdadeiramente
é sempre a vida da gente
que penosamente
insistentemente
inexplicavelmente
vai fazendo andar a roda
que fabrica a vida toda
Uma vida separada
se parada
se vida seca e mais nada
se for vida distraída
alienada
sozinha, irrelevante, e auto-ignorada
já não é vida vivida
Uma vida separada
não é vida nem é nada
São corpos minerais
nem plantas nem animais
Pois quem vive distraído
à conta do seu umbigo
quem não é capaz de dar a vida
pela vida de um amigo
está sozinho com os outros
e está sozinho consigo
… pelo menos, é assim que eu vejo as coisas…
Então,
mudar de vida p’ra quê?
Em tudo o que foi vivido
procuramos um sentido:
o que essa vida nos diz
uma matriz
um pendor
um sonho, um amor, um desamor, uma paixão uma razão
– ou uma grande razão!
Por baixo de cada vida
há essa roda que gira
com os ratinhos lá dentro
a fazer a roda andar
As coisas materiais
as coisas essenciais
o pão, a casa, os sinais
que são a vida directa
a existência concreta
As coisas que estão à mão
que nos parecem normais
- a paz, o pão, a saúuude, a habitação -
Então:
Mudar de vida?
— (CORO) Mudar de vida!
Mudar de vida
Mudar de vida, acordar
Acordar o pensamento
Vida verdadeiramente
é sempre a vida da gente
que penosamente
insistentemente
inexplicavelmente
vai fazendo andar a roda
que fabrica a vida toda
Muitos de nós nem dão conta…
Achamos isso normal…
Mas afinal:
E a hora de trabalho que há em cada coisinha? E o cansaço da mãe co’as panelas na cozinha? Como se chama a Judite que me fez esta camisa? Onde está o Eduardo que fez este projector? E onde pára o Vladimir que ergueu aquela parede?
Estão não sei onde
Do outro lado daquilo a que nós chamamos vida
A vida deles
para nós não é bem vida ...
é – digamos assim – mercadoria produzida São umas “coisas”…
Umas coisas que vivem… sei lá onde, sei lá como…
Vida verdadeiramente
é sempre a vida da gente
que penosamente
insistentemente
inexplicavelmente
vai fazendo andar a roda
que fabrica a vida toda
Muitos de nós nem dão conta…
Achamos isso normal…
Mas afinal:
E a hora de trabalho que há em cada coisinha? E o cansaço da mãe co’as panelas na cozinha? Como se chama a Judite que me fez esta camisa? Onde está o Eduardo que fez este projector? E onde pára o Vladimir que ergueu aquela parede?
Estão não sei onde
Do outro lado daquilo a que nós chamamos vida
A vida deles
para nós não é bem vida ...
é – digamos assim – mercadoria produzida São umas “coisas”…
Umas coisas que vivem… sei lá onde, sei lá como…
Viverão?
Essa gente
- tirando alguma excepção -
não está confortavelmente
aqui sentada à minha frente
a ouvir a minha canção
Vai vendo telenovelas
Olhos perdidos no espaço
A digerir o cansaço
A descansar do vazio
São corpos esgotados
destinados
a serem recarregados
que amanhã é outro dia
em que vão trocar por pão, ou tudo, ou nada
mais e mais mercadoria
fabricada, montada, embalada e transportada
que p’ra eles não vale nada.
Estes de que falo são 66% da gente do meu país. Há mais 24% que sobrevivem nas pregas do pesadelo.
Sobram 10...
Dos dez por cento, são oito
os que duma ou doutra forma
levam cheios de arrogância
as migalhas do biscoito
que são o seu resgate da esperança
- que estão nas tintas pra tudo, a começar por si próprios
Ficam os tais dois por cento
os que a gente nunca vê
mas que nos vêem a todos
Quem fabrica um parafuso
uns sapatos, uma estrada
qualquer coisa fabricada
recebe um xis pela hora
pelo gesto, pela vida emprestada
que não é vida nem nada
Amortizado o capital constante
pagas as despesas todas
incluindo o esperto que teve a ideia
fica então a mais-valia
que é a demasia
entre o valor da mercadoria
e os gastos do patrão
o esperto que teve a ideia
o empreendedor
que pôs os outros a viver p’ra ele
Porquê?
Porque os valores são outros
- Quais são os teus valores, Zé Luís?
- Os meus valores?
- Sim, quais são os teus valores?
- Bem… o Amor? a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade? a Amizade? …
Essa gente
- tirando alguma excepção -
não está confortavelmente
aqui sentada à minha frente
a ouvir a minha canção
Vai vendo telenovelas
Olhos perdidos no espaço
A digerir o cansaço
A descansar do vazio
São corpos esgotados
destinados
a serem recarregados
que amanhã é outro dia
em que vão trocar por pão, ou tudo, ou nada
mais e mais mercadoria
fabricada, montada, embalada e transportada
que p’ra eles não vale nada.
Estes de que falo são 66% da gente do meu país. Há mais 24% que sobrevivem nas pregas do pesadelo.
Sobram 10...
Dos dez por cento, são oito
os que duma ou doutra forma
levam cheios de arrogância
as migalhas do biscoito
que são o seu resgate da esperança
- que estão nas tintas pra tudo, a começar por si próprios
Ficam os tais dois por cento
os que a gente nunca vê
mas que nos vêem a todos
Quem fabrica um parafuso
uns sapatos, uma estrada
qualquer coisa fabricada
recebe um xis pela hora
pelo gesto, pela vida emprestada
que não é vida nem nada
Amortizado o capital constante
pagas as despesas todas
incluindo o esperto que teve a ideia
fica então a mais-valia
que é a demasia
entre o valor da mercadoria
e os gastos do patrão
o esperto que teve a ideia
o empreendedor
que pôs os outros a viver p’ra ele
Porquê?
Porque os valores são outros
- Quais são os teus valores, Zé Luís?
- Os meus valores?
- Sim, quais são os teus valores?
- Bem… o Amor? a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade? a Amizade? …
a Justiça, ora aí está, a justiça .
– ah, e também a Honestidade
- E tu, aí, quais são os teus valores?
- Os meus valores?
- Sim, quais são os teus valores?
- Os meus valores estão na Bolsa de Valores
Ao qu’isto chegou!
(A minha vida p’ra isto?
é o que tendes p’ra me dar?
é o que tendes para me obrigar? para me impor?
Mudar de vida !)
(Antero! meu Mestre!
Convoco-te ao fazer desta
com esse teu sinal vermelho
mesmo no meio da testa
A Unidade que procuraste
a Utopia dos loucos…
Disseste um dia
a chorar de alegria
de esperança precoce e intranquila:
“Vós, poetas, que sois os loucos porque andais na frente!”
Utopias
temo-las todos os dias
realizamos umas tantas
a cada dia que passa )
Nos anos 20 do século do mesmo nome, para tentar deter o flagelo social da sífilis, que dizimava pobres e exércitos, o biólogo alemão Ehrlich fechou-se no laboratório.
Tentou uma experiência e falhou.
Tentou duas, falhou.
Três, quatro, cinco, seis – falhou sempre.
Até que conseguiu um tratamento – chamou-se “tratamento Ehrlich 606”.
Mas ainda não conseguia curar a doença sem matar o doente. Então Ehrlich continuou, mais uma, e outra, e outra. A cura, finalmente conseguida, chamou-se “Ehrlich 914”.
Quantas vezes já tentámos nós?
— novecentas e catorze? ainda não!
— seiscentas e seis? ainda não!
mas talvez… quem sabe
dez? vinte?
qual é o preço da esperança?
“Acordai!
Acordai! homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
Vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz!”
“Estamos de punhos fechados
mas temos as mãos nos bolsos”
Então:
Mudar de vida?
(Antero! meu Mestre!
Convoco-te ao fazer desta
com esse teu sinal vermelho
mesmo no meio da testa.
Disseste um dia: )
“Não disputeis, curvado o corpo todo, as migalhas da mesa do banquete:
Erguei-vos! e tomai lugar à mesa…”
Mudar de vida?
MUDAR DE VIDA!!!
Levar o sonho de Antero
às mulheres do Vale do Ave
às da Zara, às da Maconde, às da Rohde
aos homens da Pereira da Costa
aos jovens da Cova da Moura, da Arrentela,
da Apelação e da Alta de Lisboa, meus irmãos.
aos homens da Autoeuropa e da Azambuja
ao milhão de desprezados,
ao lixo do capital
aos seres humanos dispensáveis,
descartáveis, recicláveis
a esses olhares perdidos
dos nossos telejornais.
Levar o sonho de Antero
aos humilhados e ofendidos.
“Erguei-vos! e tomai lugar à mesa…”
Libertar a mais-valia que está na mercadoria —
Mostrar a vida escondida por baixo do sofrimento
Acordar a força
Acordar a força motriz
A energia matriz de onde nasce o movimento
A raiz
Mudar de vida!
Mudar de vida?
Mudar de vida
Mudar de vida, dar
Dar o pontapé na morte
Mudar de vida
Mudar de vida, pôr
Pôr em marcha o movimento
Mudar de vida
Mudar de vida, acordar
Acordar o pensamento
– ah, e também a Honestidade
- E tu, aí, quais são os teus valores?
- Os meus valores?
- Sim, quais são os teus valores?
- Os meus valores estão na Bolsa de Valores
Ao qu’isto chegou!
(A minha vida p’ra isto?
é o que tendes p’ra me dar?
é o que tendes para me obrigar? para me impor?
Mudar de vida !)
(...) (...)
(Antero! meu Mestre!
Convoco-te ao fazer desta
com esse teu sinal vermelho
mesmo no meio da testa
A Unidade que procuraste
a Utopia dos loucos…
Disseste um dia
a chorar de alegria
de esperança precoce e intranquila:
“Vós, poetas, que sois os loucos porque andais na frente!”
Utopias
temo-las todos os dias
realizamos umas tantas
a cada dia que passa )
Nos anos 20 do século do mesmo nome, para tentar deter o flagelo social da sífilis, que dizimava pobres e exércitos, o biólogo alemão Ehrlich fechou-se no laboratório.
Tentou uma experiência e falhou.
Tentou duas, falhou.
Três, quatro, cinco, seis – falhou sempre.
Até que conseguiu um tratamento – chamou-se “tratamento Ehrlich 606”.
Mas ainda não conseguia curar a doença sem matar o doente. Então Ehrlich continuou, mais uma, e outra, e outra. A cura, finalmente conseguida, chamou-se “Ehrlich 914”.
Quantas vezes já tentámos nós?
— novecentas e catorze? ainda não!
— seiscentas e seis? ainda não!
mas talvez… quem sabe
dez? vinte?
qual é o preço da esperança?
“Acordai!
Acordai! homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
Vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz!”
“Estamos de punhos fechados
mas temos as mãos nos bolsos”
Então:
Mudar de vida?
(Antero! meu Mestre!
Convoco-te ao fazer desta
com esse teu sinal vermelho
mesmo no meio da testa.
Disseste um dia: )
“Não disputeis, curvado o corpo todo, as migalhas da mesa do banquete:
Erguei-vos! e tomai lugar à mesa…”
Mudar de vida?
MUDAR DE VIDA!!!
Levar o sonho de Antero
às mulheres do Vale do Ave
às da Zara, às da Maconde, às da Rohde
aos homens da Pereira da Costa
aos jovens da Cova da Moura, da Arrentela,
da Apelação e da Alta de Lisboa, meus irmãos.
aos homens da Autoeuropa e da Azambuja
ao milhão de desprezados,
ao lixo do capital
aos seres humanos dispensáveis,
descartáveis, recicláveis
a esses olhares perdidos
dos nossos telejornais.
Levar o sonho de Antero
aos humilhados e ofendidos.
“Erguei-vos! e tomai lugar à mesa…”
Libertar a mais-valia que está na mercadoria —
Mostrar a vida escondida por baixo do sofrimento
Acordar a força
Acordar a força motriz
A energia matriz de onde nasce o movimento
A raiz
Mudar de vida!
Mudar de vida?
Mudar de vida
Mudar de vida, dar
Dar o pontapé na morte
Mudar de vida
Mudar de vida, romper
Romper o cordão da sorte
Mudar de vida
Mudar de vida, dar
Dar as mãos para o caminho
Mudar de vida, romper
Romper o cordão da sorte
Mudar de vida
Mudar de vida, dar
Dar as mãos para o caminho
Mudar de vida
Mudar de vida, mudar
Mudar de vida, mudar
Que isto não muda sozinho
Mudar de vida
Mudar de vida, pôr
Pôr em marcha o movimento
Mudar de vida
Mudar de vida, acordar
Acordar o pensamento
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