domingo, janeiro 03, 2021

EM PASSEIO COM OS AMIGOS

Nada como um domingo de manhã para sair de casa em passeio. E esta manhã saí em vários passeios ao mesmo tempo, mas mantendo os pés quentinhos debaixo dos lençóis. Andei a ver as novidades dos amigos, muitas mensagens de Ano Novo e fotos a ilustrar. O típico do Facebook. Mas gosto principalmente de textos da malta que esteve na rua, entre passeios e trabalhos de campo na agricultura. Alguns dos quais partilho aqui, sem referir os autores: 

"- Olá, bom dia. É para visitar o Castelo?
Apercebi-me que o interlocutor, que surgiu do nada logo após ter estacionado o meu carro na praça central da aldeia, junto à velha mas imponente fortaleza, era nem mais nem menos do que o funcionário do posto de turismo e também responsável pela abertura, fecho e manutenção do interior do Castelo.
- Quando quiser é só dizer. Eu abro-lhe a porta.
Informando-o de qual era o meu objetivo, entregou-me diligentemente cartografia do local e orientou no sentido do início do percurso pedestre de Amieira do Tejo.
Como qualquer bom percurso numa manhã fria de nevoeiro, o início tem de resvalar para um local onde sirvam café, neste caso a associação recreativa local. Após saborear a desejada bica, de forma mais apressada e decidida do que o vizinho de balcão cujo copo de três era sorvido lentamente, iniciei o PR 1 - trilho de jans, circular, com cerca de 11 km, em direção ao rio Tejo. Primeiro ao longo de uma paisagem ondulada, remendada com pastagens luxuriantes, carvalhais e olivais, em direção ao banco de nevoeiro que se vislumbrava lá em baixo, no vale. 


Curiosamente, com o avançar do percurso e da manhã, a neblina foi-se dissipando, qual mar vermelho aberto por Moisés, e deixava observar paisagens magníficas e feéricas. Percurso atapetado de musgo e herbáceas brilhantes de orvalho e uma constante presença invisível dos dedicados javalis que insistiam em interromper o referido tapete verde. Prados com gado ronceiro e curioso, mantido por pastores modernos, cavalgando veículos 4x4 mas não deixando de, diligentemente, oferecer o seu pequeno-almoço a um estranho que, incompreensivelmente trocou o quente dos lençóis por um esforço matinal com temperaturas próximas do zero.

Até que, no início da abrupta descida para o rio, protegida por uma confortável e salvadora escadaria em madeira, surge, entre o nevoeiro esfarrapado, o maravilhoso e profundo vale do Tejo, com a barragem do Fratel unindo as suas margens, e a linha de comboio, rio abaixo e rio acima, de braço dado com o leito do rio mais extenso da península ibérica.
A chegada à margem do Tejo caudaloso, alimentado pela descarga de superfície da barragem, permitiu conhecer pela primeira vez o extenso muro de sirga que parecia concorrer com a linha da Beira Baixa, na outra margem. Não me recordo de alguma vez, nas longínquas infância e adolescência, ter ouvido falar destas estruturas de pedra, nalgumas zonas autênticas muralhas, que serviram em tempos idos para dar a força necessária aos barqueiros, através de cabos de sirga, para transporem as zonas mais caudalosas que o vento ou os remos não permitiam contrariar. E eram os animais ou a força humana, esticando esses cabos, que permitiam que as embarcações chegassem ao bom porto de Vila Velha de Ródão ou a terras de Castela.
E o percurso continuou, sempre acompanhado do rumorejar das águas revoltas, dos saltos dos riachos em pequenas cascatas que se fundiam com o Tejo, do piar da diversificada e irreconhecível passarada e do voar atabalhoada das garças.
A passagem de uma locomotiva de manutenção pela linha da Beira Baixa, cujo maquinista acenou de forma simpática, quebrou momentaneamente a paz daquela tranquila paisagem rural.
Chegada à margem oposta de Barca da Amieira, local de transposição do curso de água com recurso a uma barca moderna e motorizada, verificou-se estar esta inoperacional devido aos mais de 430 m3/s golfados pela barragem. Barca da Amieira foi em tempos o local de passagem do corpo da rainha santa Isabel, falecida em Estremoz e sepultada na famosa igreja de Coimbra.
Na reta final do percurso, no remontar ao povoado de Amieira do Tejo, o trilho passava inesperadamente por uma zona de acesso interdito, por ser privada. No entanto os caminhantes, como afirmava a placa informativa, eram bem-vindos e o seu acesso era feito por uma porta especialmente erguida para eles.
- Claro que sim. É sempre em frente, pelo caminho de terra batida - informou sorridente um trabalhador da quinta depois de lhe ter perguntado, timidamente, se podia passar.
Para trás ficava a deslumbrante paisagem pastoral do vale do Tejo.
Antes de entrar no troço alcatroado, surgiram dois pontos saltitantes que desciam encosta abaixo, por entre a vegetação esparsa e a transbordar de clorofila. Com a aproximação apercebi-me serem duas raposas, com suas causas farfalhudas, que, alegremente, à medida que avançavam, se desafiavam e mordiscavam.
Com o castelo ao fundo, entre as casas brancas e rasteiras da aldeia, ocupado em tempos pelo condestável D. Nuno, a estrada, murada, serpenteava pelo meio dos campos. Os condutores dos automóveis que, pontualmente, nela passavam, cumprimentavam. No percurso de regresso, os mesmos condutores insistiam na saudação cordial e calorosa.
Cerca de 4 horas depois, de chegada novamente ao largo do castelo, este já se encontrava fechado e o amável funcionário camarário, por ser a sua hora de almoço, já tinha interrompido o corte de vegetação no seu interior, sempre de olho no balcão do posto de turismo, também da sua responsabilidade.
Percurso terminado mas não concluído: em abril será retomado e repetido, recorrendo então ao comboio até à estação de Barca da Amieira- Envendos e posterior passagem do concelho de Mação para o de Nisa utilizando o denominado transbordador. E vai haver certamente uma paragem, pela hora do almoço, na associação recreativa onde, com mais calma, poderemos certamente saborear uma bifana e um copo de três, quiçá acompanhado pelo tal habitante de Amieira do Tejo.
Estão convidados."

E outro agora:

"Neste primeiro dia do ano o sol bem cedo começou a ensaiar a sua dança, a natureza agradece: a margarida do monte, malmequer de liberdade, levantou a corola agradecida; a aranha-tigre lobada aproveita para renovar a teia; a cobra de ferradura absorve cada raio de sol para aquecer o corpo; o gato Napoleão sempre bem instalado procura o melhor canto para captar os raios solares; o caracol caracolinho mete os corninhos ao sol; 

no pé de salsa os pigmentos da clorofila vão captando a luz solar para a realização da fotossíntese - este pé de salsa é uma força da natureza, uma lição de vida, nasceu no meio do cimento e todos os dias mostra o seu encanto e a sua vontade de viver.
Votos de um ano iluminado para todos"

E este texto do Torga, partilhado por outro amigo no último dia do ano:

"Sísifo


Recomeça...
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...


Miguel Torga TORGA, M., Diário XIII."

E termino com esta foto de outro grande amigo, que partilhou e escreveu assim:
"De uma forma didáctica, pretendo continuar a utilizar a fotografia de natureza e as minhas imagens como meio de divulgação, valorização e preservação do nosso património natural.
“Porque só protege quem gosta e só gosta quem conhece”.
O reino dos fungos é um mundo maravilhoso e mágico constituído por milhares de organismos essenciais à vida no planeta, são os grandes recicladores da natureza, especialistas na decomposição de organismos animais e vegetais, contribuindo para que o solo esteja bem nutrido e hidratado."

Este amigo é a prova viva de que a sociedade de consumo prefere que a malta seja reformada tarde, pois se forem reformados ainda com saúde podem dedicar-se a projectos educativos e que apelam à cidadania ativa. E acabo assim, com esta minha reflexão, este momento matinal de navegação na net. E de registo no diário. Está na hora de levantar e alimentar quem tem menos saúde.


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