quarta-feira, janeiro 20, 2021

DIAS POUCO DIÁRIOS

Desde os primeiros dias do ano que o Malfadado ficou aqui parado. Assentei arraiais em Coimbra e a família levou o meu tempo e dedicação. O meu pai foi ganhando uma nova energia ao mesmo tempo que a minha mãe não conseguia reagir ao quadro clínico de tumor intestinal com úlcera. Da anemia grave que prejudicou a oxigenação e forçou o coração a bater mais e mais, os rins e fígado a trabalhar no limite, a falta de apetite e dificuldade em ingerir alimentos, o aumento diário da dificuldade em colocar-se de pé, depois sentada, até ao estado de falência dos órgãos foram uns dias agitados. O minguar das forças e a dificuldade em respirar quando se colocava de pé não tinha explicação no diagnóstico oncológico, mesmo considerando algumas manchas nos pulmões e fígado, e as médicas da minha mãe aconselharam uma ida às urgências. Na verdade, estando deitada, a minha mãe ficava estável e sempre muito lúcida e nada sofredora. Conhecedor da realidade dos serviços de urgência dos HUC, depois da decisão da minha irmã em chamar o INEM, ainda disse à minha mãe para se queixar muito de dores e dificuldades, mas ela ainda teve força para reagir e dizer que não ia mentir. E o resultado foi o que eu esperava, pulseira amarela, deu entrada às 22 horas e ficou na maca sem nenhuma intervenção toda a noite, só lhe fizeram análises às 10 da manhã. As análises acusaram níveis de potássio elevados demais no sangue, corrigiram esse nível e deram-lhe alta à noite. Às 23 horas estava a regressar a casa, com alucinações e perfeitamente esgotada de cansaço. No dia seguinte foi um dia para descansar e dormir, dormir. Depois vieram a casa fazer colheita para análises, e o resultado foi claro: falência dos órgãos vitais. Foi grande a coragem da minha mãe, ao saber os resultados e pedir para não voltar ao Hospital. Continuou lúcida e pediu a presença do padre franciscano no dia seguinte, já instalada na cama articulada que montámos para facilitar as mobilizações e posicionamentos. Na manhã seguinte, acompanhada em permanência por familiares e num dia que nasceu cheio de luz, a minha mãe foi pedindo para mudar de posição até que o coração parou, a respiração ficou pausada e adormeceu no sono mais fundo, levando memórias e saberes, levando a presença protectora constante na vida de algumas outras pessoas. Dia 10 de Janeiro de 2021 fechou-se um ciclo. Depois foi o que se espera destes momentos trágicos. Os netos da Suiça vieram juntar-se ao pai (o meu irmão tinha vindo para as pequenas férias de final de ano) quando finalmente perceberam que uma das suas avós ía morrer. Eu fui contra esta viagem apressada, por mim estas presenças devem ser em vida, dando notícias e acompanhando. Mas eles quiseram vir e fizeram-lhes a vontade, chegaram já o velório estava montado na sala. Ainda assim foi importante a sua presença atrasada, para currículo de vida. Duvido é que tenham aprendido alguma coisa, distraídos em quase permanência com as infernais máquinas de jogos e distracções passivas. Foram dias diários para eles, para mim foram pouco diários. Estive presente mas refugiando-me como sempre das cerimónias religiosas. E depois das cerimónias continuei de enfermeiro do meu pai, acompanhando e ajudando, ouvindo e cuidando, até que ele foi passar uns dias a Canas de Senhorim. Voltei a casa e trouxe a Nadi, para a refugiar das últimas noites de frio intenso e arejar a sua casota de cimento frio e mantas. E voltei aos abraços dos amigos, ainda que à distância e sem bracinhos, neste distanciamento social que arrasta um congelamento social que também é doentio. Por estes dias pouco diários arranjei também outras coisas interessantes para partilhar aqui no Malfadado, e que aqui cairão quando voltarem os diários dias. Por agora estou a recuperar.

1 comentário:

raiosdesol.aa@gmail.com disse...

Um abraço e que mais dizer... um abraço ☀️
Andreia Gama