domingo, fevereiro 07, 2021

DOMINGO

Querido diário, hoje estou em Coimbra, longe da minha terra. Há tantas coisas boas para fazer no campo, numa manhã fria e cinzenta mas sem chuva, e a malta está toda em casa com medo da gripe e para salvar um serviço nacional de saúde que não dá conta do recado. Se todos os anos, por alturas das gripes "normais", já era notícia o serviço mostrar as suas fragilidades, agora com um corona vírus que se transmite com muito mais eficácia, e que não respeita fronteiras nacionais, a saúde dos mais fragilizados fica em cheque. De forma que os políticos que destruíram muita da capacidade do serviço nacional de saúde, ao longo dos últimos anos, e de forma a haver dinheiros públicos para negociatas, de forma hábil vêm agora meter a malta toda dentro de casa. E eu cá estou também, antes de ir dar uma caminhada, a fazer companhia a uma vítima paradigmática do serviço nacional de saúde. Falava eu de meter a malta em casa, porque penso que esta pandemia nos deve fazer pensar enquanto sociedade. Este vírus cumpre na perfeição aquilo que um vírus deve fazer no mundo da biologia: reproduz-se no organismo que encontra desprotegido e vai passando para outros organismos onde se pode reproduzir, até que esse organismo arranja maneira de o combater, subindo a temperatura, drenando pela pele ou pelo sistema digestivo e vai criando anti-corpos, a nossa equipa de soldados de vigia, treinados para identificar os inimigos. Ora, pelo que vemos, este vírus passa de forma perfeitamente inofensiva e não identificável em organismos mais saudáveis. São milhares de milhões as pessoas que vivem com este vírus da forma como vivemos com tantos outros vírus, bactérias, fungos, leveduras, vivemos com eles porque há uma adaptação. Mas é certo que pessoas com problemas de saúde anteriores, com fragilidades diagnosticadas e com tantas situações não diagnosticadas mas que levam a um sistema imunitário com deficiências, estão sujeitas a morrer mais cedo do que seria normal. Mas o problema também, é que nós, enquanto sociedade desenvolvida e cientificamente avançada em poucas áreas, mudámos a nosso favor, a favor da longevidade, a normalidade do que a biologia e o acaso trariam às vidas de tantos seres vivos. A medicina humana e animal, a biologia e ecologia (enfim, podemos falar da física e da química e englobamos logo tudo) protegem de situações que antes eram fatais. Mas que dificilmente extinguiam uma qualquer espécie que se tivesse desenvolvido para prosperar num ambiente específico. Morrem indivíduos, mas a espécie prospera. Escrito isto, temos também que incorporar a noção de globalidade que a sociedade capitalista desenvolvida trouxe para o planeta. Deu então asas ao vírus, espécie que normalmente não tem pernas para ir muito longe. Desta vez não foi a gripe das aves, que na altura deram asas aos vírus, desta vez foram mesmo os aviões. Aliás, esta gripe deveria ser rebaptizada, uma prosaica gripe dos aviões, ou de forma mais poética, gripe do capitalismo.

Querido diário, eu sei que este tema é polémico e dá pano para mangas. Mas eu veria com bons olhos uma política mais virada para o desconfinamento, para o fortalecimento dos organismos de cada um, o restaurar de sistemas imunitários que cumprem as suas funções normais. Desconfinar para fazer mais exercício, para estar mais longe das radiações de cada vez mais aparelhos electrónicos na nossa vida, para respirar ar mais puro, para apanhar sol, para conviver, mesmo tendo que tomar mais precauções. Dormir melhor, menos stresses laborais, menos informação de tragédias e competições e mais informação de cultura e desporto. Acesso a produtos alimentares saudáveis, acesso a terapias não invasivas de reforço de corpo e mente. Desconfinar o corpo, mas também a mente, confinada a um sistema económico em que não interessa ter pessoas informadas, mas desinformadas. E dito isto, vou então desligar e vou dar a minha voltinha, sem telemóveis e whatsapp e gps e relógio. E levo a máscara no bolso, para o caso de ter que passar nalguma "multidão", eh eh eh.

Logo à tarde, sem stresses, gostaria de voltar ao Malfadado, para pensamentos sobre a febre de Gaia.

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