Neste meu blogue gosto de realçar os êxitos dos meus amigos, e divulgar coisas positivas. Mas de vez em quando acontecem situações menos boas que também têm eco aqui no Malfadado. Vou então contar a história desde o início. Por isso prepare-se o leitor para um texto muito comprido, do tamanho do resumo das minhas memórias.
Há pessoas que cruzam a nossa vida e a marcam aqui e ali. Conheci a Cristina Gatões andava eu no liceu D. Duarte (Escola Secundária). Ela era da turma de uma outra amiga da altura, uma tal Isabel, que tinha uma grande amiga, acho que se chamava Paula. E eu tinha um grande amigo de escola, o Zé Manel Duarte. Personagens paralelas, porque só aparecem aqui para explicar como conheci a Cristina e porque é que nunca convivi de perto com ela. É que o Zé Duarte e eu achámos que as duas amigas, que andavam sempre juntas, eram as ideais para nós, e vai daí andávamos sempre atrás delas, nas chamadas perseguições, até que um dia chegávamos à conversa com elas. E nestas andanças acabávamos por conhecer outras pessoas, até para perguntar pelas duas amigas. E a Cristina serviu precisamente para isso, por ser da turma da Isabel, alunas do 8º ano, era uma mera informadora.
A verdade é que nem a Isabel nem a Paula nos deram a resposta que queríamos ouvir, e aquela mania passou. Mas era tempo de hormonas e as beldades eram mais do que muitas, nem todas acessíveis. E eis que de repente, não sei dizer quando, e muito menos porquê, quando me cruzava na rua com a Cristina ficava todo corado e o coração acelerava. Pouco ou nada falávamos e eram encontros muito raros e casuais. E como ela apanhava o autocarro para Taveiro, passou a ter o nome de código "Cristina de Taveiro". Ela não imagina nada desta história, porque nunca lhe contei, e nem se deve lembrar de quando e como nos conhecemos.
Entretanto eu começo a namorar com a São Veiga, com 17 anos, quase 18 e fecharam-se as portas para outras paixões. Mas vivendo na mesma região eram inevitáveis os encontros na rua com várias pessoas, e a Cristina de Taveiro era o meu amor platónico e todos os meus amigos a conheciam de vista, e conheciam os seus efeitos em mim. Até a São conhecia bem, a São que não gostava nada dela, apesar de nunca se terem falado. Contou-me a São vinda de um jantar de estudantes, já quase no fim do curso dela, de português-francês, que teve o azar de irem para um restaurante de mesas corridas, em que de um lado da mesa se sentaram os alunos de letras, e do outro lado da mesa os alunos de direito. E por coincidência, mesmo em frente da São, quem haveria de calhar? A própria Cristina de Taveiro, pois claro. Lembro-me como se fosse hoje de ela dizer que a parvinha da Cristina (na expressão enfática da São certamente não foram estes os mimos descritivos) lhe tinha estragado o jantar.
Foram muitos os encontros fugazes com a Cristina ao longo dos anos. Nunca soube o seu apelido, era sempre a Cristina de Taveiro, mesmo descobrindo depois que ela não morava em Taveiro, era um pouco antes. Assim de memória, anos oitenta, lembro-me do dia em que saímos de Coimbra, grupo grande de voluntários na Marcha Contra o Desemprego, ela estava a acenar-me de uma janela da baixa, lembro-me de a encontrar no metro em Lisboa, inícios dos anos noventa, e me comunicar que após ter terminado o curso de direito não iria exercer advocacia de tribunais, porque não lidava bem com o sistema. Antes disso foi o dia da Queima das Fitas em Coimbra, finais dos anos oitenta, numa iniciativa que eu abominava mas que calhou a São ir no carro alegórico a celebrar o seu final de curso, e me ter "obrigado" a ir lá vê-la, e eu fui mas avisei logo que iria antes das bebedeiras, ou seja, logo antes do início do cortejo. E lá andei eu à procura do carro alegórico azul clarinho, estive com ela uns minutos, deu-me o livrinho das caricaturas e vim-me embora. No regresso passo ao lado de um carro vermelho e sou apanhado pela Cristina, que também vai buscar um livrinho das caricaturas e me oferece. E o episódio que é igualmente inesquecível foi num dia do meu aniversário, estava eu de voluntário do GIDC numa Feira do Livro, e o meu amigo Jorge Figueiredo encontra a Cristina de Taveiro na baixa (ele só a conhecia de vista, algum dia estaria comigo num desses encontros fortuitos), e diz-lhe que é o meu aniversário e que poderá encontrar-me no stand X da Feira do Livro. E não é que ela vai lá mesmo para me dar os parabéns? Nessa tarde a São estava também de voluntária do GIDC e quando a Cristina se foi embora depois de um breve minuto ali à minha frente, mas do outro lado da banca dos livros e autocolantes, a minha namorada colocou a mão no meu peito e sentiu como o coração batia selvagem e potente, para além de gozar com a minha pele vermelha na cara. Depois, ao longo de alguns meses, contava a toda a gente e dizia que tinha sido a minha melhor prenda de aniversário desse ano, e agradeci ao Jorge Figueiredo a originalidade. Depois houve o período em que fui para Idanha-a-Nova e os encontros tornaram-se mais raros, mas de alguma forma mantivémos o contacto, não posso dar a certeza mas a sua morada estaria entre as dezenas que recebiam regularmente as Novas de Idanha (um imperiódico em fotocópia que eu e a São produzíamos, uma espécie de blogue da altura), e também as Ovinovas (o imperiódico que contava as aventuras no Monte Barata). Conheci a família dela, marido, filhas. E conheci até o cãozinho, mais recentemente, mas sempre em encontros fugazes.
A verdade é que o meu coração deixou de ter aquela reacção e agora os momentos de encontro já não provocam perigo de rebentar com as costelas do peito. Família e amigos de agora nem imaginam que existiu uma Cristina de Taveiro, que agora também para mim é a Cristina Gatões, perdeu-se no tempo o nome de código.
A Cristina Gatões, nos primeiros anos deste século, foi determinante na ajuda aos processos judiciais que eu tive com o Ministério da Agricultura/IFADAP. Andava eu à procura de um advogado que pudesse ajudar-me, no âmbito do apoio judiciário, mas tinha que escolher alguém, depois de muito más experiências com advogados sorteados e depois de muitos recusarem os meus processos, pela exigência dos mesmos. E não é que ela tem no SEF de Coimbra um inspector casado com uma advogada, me dá o contacto dessa advogada e que ela se ofereceu para analisar a situação? Foi assim que conheci a Drª Alexandra Ventura, que durante muitos anos aguentou os embates violentos do sistema contra mim, sempre disponível e sempre muito competente. E, coincidência das coincidências, quando disse à São qual era o nome da advogada, ela disse que tinha sido a sua advogada do Sindicato dos Professores da Região Centro, há um par de anos atrás, quando a São tinha tido umas questões laborais que já não recordo.
A Cristina Gatões foi nomeada para directora nacional do SEF apenas no início de 2019, e depois disso nunca a encontrei pessoalmente, apenas trocámos um e-mail por essa altura. A verdade é que neste curto espaço de tempo deve ter tentado alterar, trabalhando por dentro e conhecedora dos meandros da instituição, muitas das situações de mau funcionamento. Mas herdou uma estrutura pesada e imagino que com muitas barreiras a uma mulher a comandar uma estrutura pensada por muitos homens. Não defendo que existe uma guerra de sexos declarada, mas a realidade mostra bem que a sociedade ainda não vê com bons olhos as mulheres com sucesso e ao mesmo tempo com poder. São alvos a abater.
Ela deu muito poucas entrevistas, pessoais nem uma. E foi pena. Mas fica aqui o link (clicar) de uma entrevista à Rádio Observador, que foi depois transcrita e ilustrada com fotos (de onde eu tirei a foto que aqui publico) e que apanhei on line no portal NovAfrica.
A morte do ucraniano Ihor Homenyuk às mãos de quem o assassinou, agentes do SEF a trabalharem no aeroporto de Lisboa foi, só por si, um acontecimento muito grave. Mas a minha amiga optou por não se demitir, imagino que quando soube que ela também estava entre as vítimas do enredo mentiroso da morte natural, optou por continuar a tentar melhorar as prestações do SEF nas suas várias frentes. Nessa altura tinha pouco mais de um ano como directora, e mais um par de anos em Lisboa, na direcção do SEF, e imagino com muitos projectos para implementar. Provavelmente não se sentiu responsável por actos de agentes que não contratou, por atitudes que não defendeu nem ordenou e muito menos por uma estrutura que existe desde sempre e que já tinha tido outro tipo de problemas que estavam a ser resolvidos e debatidos internamente e junto da tutela. Se havia alguém que deveria pedir a demissão na sequência do assassinato era o responsável máximo, ou seja, o ministro. Mas aqui entra a política, e a Cristina Gatões foi a escolhida para ser sacrificada, para tentar aplacar as críticas da comunicação social e das redes sociais, salvando assim o ministro, apontado como amigo do primeiro-ministro e seu braço direito.