sábado, novembro 20, 2021

UMA CUIDADORA FAZ A DIFERENÇA - CUIDADO COM A CATARINA

 Ainda a propósito da morte do meu pai, há um tema que merece uma reflexão no Malfadado: o tempo na velhice em que é preciso alguém para estar presente em permanência. Ou em quase permanência. A cuidadora do meu pai era a minha mãe. Deixou de o ser quando ela desistiu, 3 semanas antes de morrer. Já fazia as coisas com esforço e finalmente virou-se para ela própria e para organizar uma vida independente das asneiras do meu pai, foi como um preparar-se em vida para a separação fatal. Em certos momentos pareceu-me mesmo que ela estava muito chateada com ele, mas era certamente apenas a revolta com a sua própria situação e sentir da parte dele falta de apoio, o que se justificava, porque ele próprio estava muito diminuído psicologicamente e fisicamente.

A minha mãe não precisou de cuidadores de fora do seu círculo, entre amigos e família demos conta do recado, e como ela gostou dos mimos da Isabel, da Irma, da Ana Cristina e de mais gente que pôde estar presente e ajudou. Já o meu pai foi diferente. Ganhou uma nova energia e ficou independente, passando 8 meses a tratar das suas coisas e conseguiu ficar na sua própria casa, rodeado de coisas que foi comprando ao longo dos anos e acompanhado das suas memórias. Os filhos ainda pensaram levá-lo para suas casas por temporadas, mas se ele queria fazer isso às vezes, eram os filhos que não queriam essa solução, pois o seu comportamento era independente de forma excessiva, não seguindo de forma alguma os pedidos dos filhos para seguir recomendações médicas. O que depois dava problemas.

Tendo em conta a sua autonomia, e sempre de acordo com as suas vontades, procurou-se uma instituição para dar apoio domiciliário, de forma a complementar 3 coisas: a sua independência, segunda coisa a mulher faz tudo que há muitos anos atrás tinha começado a trabalhar lá em casa, primeiro apenas umas horas e nestes últimos anos três tardes por semana e a última coisa que era algum apoio dos filhos e amigos. Foi assim que o meu pai teve a sorte de conhecer 3 mulheres diferentes, e até um pouco das suas culturas. Primeiro uma brasileira, depois uma angolana, qualquer das duas através dessa instituição de apoio domiciliário. E qualquer das duas percebia-se que não tinham tido grande formação para o desempenho daquelas funções, mas eram muito educadas, trabalhadoras, meigas e com vontade de aprender, integrando-se, e com vontade de ajudar. Veio depois ao nosso conhecimento que uma outra senhora, com experiência no acompanhamento e cuidar de idosos estava disponível, e foi assim que conhecemos a Catarina Soares. Com residência e família na Lousã, disponibilizou-se para ajudar e assim foi contratada, de forma a preencher mais os intervalos em que o meu pai ficava sem ninguém em casa, ajudando-o na sua independência.

Tive a oportunidade de conhecer um pouco a Catarina e ela merece um louvor aqui no Malfadado, pois esteve sempre acima das expectativas que se criam quando precisamos de alguém para dar resposta em situações deste género. A tratar do patrãozinho, com preocupação pelo seu bem-estar e dando-lhe o que ele pedia, mas dentro da razoabilidade, aconselhando-o e até criticando de forma simpática quando ele saía um pouco dos carris. Mas depois também a cozinhar, a tratar da casa, da higiene, a fazer companhia, a motivar para sair de casa, a conversar, a reportar junto dos familiares. A Catarina é daquelas pessoas que dá de si para os outros, uma cuidadora por vocação. Fiquei logo bem impressionado quando percebi que ela, de forma natural e da sua experiência profissional, mas também da sua vivência, tinha integrado o conceito de saúde de forma holística. De facto, caminha-se no sentido de toda a medicina convencional perceber que a saúde não é um conjunto separado de órgãos, mas na prática poucas pessoas o aplicam, e no sistema de saúde vigente então isso não se aplica de todo. A importância da alimentação, do exercício físico, isso é comum, mas ir para além disso, ver os benefícios do ar livre, da redução do stresse, o rir e o sorrir todos os dias, os relacionamentos benéficos, a nutracêutica e, claro, respeitar os ciclos da fisiologia do organismo, onde o sono nas horas certas é determinante. Tudo isto a Catarina sabia, mesmo sem ter estudado. Muitas vezes sem saber as bases científicas de tudo isto, mas sabendo intuitivamente a sua importância. Se fosse nos EUA a Catarina tiraria certamente a formação em Health Coaching da Medicina Funcional. Mas estamos em Portugal e ela está onde faz falta, e certamente ainda vai ajudar muitas pessoas como ajudou o meu pai, e nos ajudou a nós.

Certamente não me vou esquecer de uma conversa, mas como a minha memória é muito fraquinha e pouco rigorosa, aqui fica o registo. Ela ligou-me muito preocupada com o declínio progressivo do patrão, de dia para dia andava a perder capacidades. Eu respondi-lhe que da minha parte já tinha desistido de tentar ajudar, uma vez que ele acabava por repetir as asneiras e por não se querer tratar convenientemente. Respondi-lhe que o meu pai iria definhar até bater no fundo, e só aí poderia aceitar estar errado e podermos então tentar fazer alguma coisa pela sua saúde. E ela respondeu-me que numa pessoa com 80 anos, se bate no fundo nunca mais consegue recuperar.

Depois desta conversa acedi então em tentar ajudar uma última vez, ficando para a história o episódio da tentativa mal sucedida de acompanhamento numa clínica privada, que um dia poderei contar, e que a Catarina ainda poderá contar melhor do que eu. A verdade é que não resultou, o meu pai desistiu desse acompanhamento médico global, decidiu voltar para casa, na semana seguinte começou a chorar. Foi aí que eu pensei: "- Já bateu no fundo". Foi aí que lembrei as palavras da Catarina: "- Nunca mais consegue recuperar". E foi assim, em plano inclinado, que se foi apagando um pouco mais, cada dia que passou.

Cuidado com a Catarina Soares, ela é muito à frente na sua profissão. Se a quiserem contactar podem sempre usar o Facebook (link aqui)

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