segunda-feira, novembro 15, 2021

MARIA AMÉLIA PINTO FIGUEIREDO

 Mais um obituário, já devido desde Janeiro. A minha mãe nasceu em Lisboa, em 1936, alfacinha mas não de gema, pois toda a sua cultura vinha da província, da zona de Tourais, Seia. Pai dos Figueiredos, família do Chaveiral (freguesia de Paranhos da Beira), mãe dos Pintos, família da aldeia vizinha, Vila Verde (freguesia de Tourais). Vila Verde é agora conhecida como a terra dos samarreiros, como já apareceu aqui no Malfadado.

Os avós paternos da minha mãe abriram uma casa de pasto em Lisboa, depois de umas aventuras no Brasil (a fantástica epopeia da avó Amélia, que vai atrás do marido com um filho pela mão, chega lá e expulsa a amante e acaba por ter lá uma filha, regressando depois a família toda junta a Portugal), e assim se fixou mais uma família em Lisboa. Veio depois mais um restaurante, na zona do Campo Grande, o restaurante dos meus avós maternos. Esse meu avô nasceu no Chaveiral e a minha avó em Vila Verde, indo para Lisboa por causa do casamento. Nasceu o meu tio, José Pinto Figueiredo, a minha mãe e mais uma irmã que na infância teve uma doença fatal.

Em termos de genealogia, este ramo dos Figueiredos termina aqui, pois o meu tio não teve filhos e do lado da minha mãe os 4 filhos ficaram com o Figueiredo ensombrado pelo Pedrosa (do meu pai), não o passando à descendência. Os Pintos, de Vila Verde já tinham desaparecido na geração anterior, neste ramo da família, penso que não resta nenhum, pois o que é neto de um dos dois irmãos (o tio David Pinto) da minha avó, herdou o nome próprio, David, mas já não o apelido.

Os Figueiredos do Chaveiral continuam por uma outra linha de descendência, os que foram para Lisboa entraram numa linha terminal.

A minha sobrinha, única filha da minha irmã Anucha, foi curiosamente readquirir o apelido Pinto, mas vem de outros Pinto de longe, do lado paterno. Seja como for, fica também pelo caminho pelo seu lado, pois os filhos irão caçar o apelido Santos, dos Santos de Cadima - Cantanhede.

A minha mãe foi à escola em Lisboa, fez a escola comercial, trabalhou num escritório até se casar, quando se mudou para a fábrica da Secil, em Setúbal, já casada com o meu pai, que aí era engenheiro, tendo sido atribuída uma residência familiar como era uso aos engenheiros de então. A casa onde fomos criados de pequeninos.

De Setúbal veio então a família toda para Coimbra, na década de 70, um bom par de anos após a revolução, o meu pai deixa a Secil e passa para a Cimpor, em Souselas. A minha mãe contou com a ajuda da sua mãe durante uns bons anos, até que a viu falecer em Coimbra, já na década de 90.

De Setúbal guardo poucas memórias, lembro a minha mãe a conduzir e a levar-nos à escola, a minha mãe a cozinhar, a minha mãe a conviver com as comadres e amigos, a minha mãe a acompanhar os nossos estudos básicos, as idas a Lisboa para ver as avós. A minha avó paterna Etelvina, lembro também que foi a Coimbra passar uns dias mas acabou por falecer aí durante a noite, tendo a minha mãe ajudado nessa situação. De Coimbra lembro a minha mãe a fazer tudo isso, mas a ficar doente dos intestinos e passar um mau bocado (cirurgia com remoção de parte do intestino), lembro também a sua iniciativa de produzir rissóis caseiros e vender à consignação na mercearia do bairro. Muitas vezes ia eu ao fim do dia buscar o tabuleirinho dos rissóis, e se sobrassem lá comia um ou dois. Lembro depois os problemas com as depressões do meu pai e como ajudou a avançar na vida, da sua perícia nas contabilidades e economia do lar, como ajudou com os netos mesmo em situações pouco convencionais, como aguentou os embates com o afastamento brusco do meu irmão mais velho, e como reagiu ao regresso, como aguentou a emigração do meu irmão mais novo, como me acompanhou nas variadas peripécias da minha vida, como teve coragem para ir aprender inglês, para ir dar aulas de alfabetização, como tinha sempre projectos de malhas ou rendas entre mãos, como ainda passeou nos tempos da reforma do meu pai, como era amiga dos seus amigos e tantas pequenas coisas que nos deixou. A sua perícia culinária era marcante, herança dos seus avós, e que deixa saudades a tanta gente que com ela e connosco conviveram, pois as nossas festas eram sempre decoradas com as suas coisas doces.

A minha mãe adaptou-se aos computadores e às modernices todas, mas era ao mesmo tempo algo conservadora e crente, religiosa cristã e praticante mas sem extremismos. Chegou a ter uma página de Facebook, mas acho que já não está on line. É por isso que quem a procurar na net vai acabar por ter apenas, neste momento, esta referência aqui no Malfadado. Que é também uma reverência póstuma. Quando se casou adicionou logo dois apelidos ao seu nome, passando a ser Maria Amélia Pinto Figueiredo Gomes Pedrosa. Mas foi sempre uma pessoa simples e popular, disposta a ajudar. Um dos episódios que recordo desse voluntarismo foi pai e mãe terem ido servir de testemunhas no registo de um terreno, a pedido dos compadres Pinto, que depois se provou ser uma apropriação indevida de um terreno e acabaram por ser condenados em tribunal, tendo que pagar multa e despesas com advogados, ainda por cima advogados incompetentes que os prejudicaram ainda mais. Compadres Pinto que nunca assumiram essas despesas.

Os últimos 4 meses da minha mãe foram uma luta desigual contra um tumor que se instalou na sua parte mais fraca, os intestinos. Começou com algumas dores abdominais, poderiam ser gases, mas as dores eram algo distintas e persistiam, voltou à médica e foram pedidos exames, depois mais exames e dois meses depois o diagnóstico estava estabelecido: tumor intestinal ulcerado. Já algumas metástases espalhadas no organismo. A terapêutica não foi logo estabelecida, os caminhos possíveis eram sempre pouco recomendáveis pelo risco que apresentavam. E com o passar dos dias, maior era o risco. A opção foi tratamento com quimio, mas para isso era preciso a minha mãe fortalecer-se um pouco, o que se tornou impossível tendo em conta o progressivo enfraquecimento e dificuldade em alimentar-se ou descansar convenientemente. Drogas para diminuir as dores e lá foi ela trilhando os caminhos dos últimos dias organizando tudo para uma partida anunciada para breve, sempre com muita lucidez e comunicativa, sempre acompanhada pelos filhos e marido, com tempo para despedidas e para chamar um padre franciscano com quem falou na véspera da manhã ensolarada em que o corpo se deixou ir.

Aqui pelo Malfadado já haverá alguma foto dela, aqui fica mais uma, um slide digitalizado recentemente, fotografada pelo meu pai:



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