terça-feira, novembro 16, 2021

ROGÉLIO RODRIGUES GOMES PEDROSA

 Aqui fica mais um obituário, juntinho ao da sua amada. O meu pai morreu 9 meses depois da minha mãe, as suas cinzas estão juntas e junto-os aqui também no meu blogue. Ainda viu passar o dia de aniversário do seu casamento, 28 de Setembro, mas nesses últimos dias já a sua cabeça não dava conta dos recados, ainda que estivesse sempre algo lúcido e conversador.

Nasceu em Lisboa em 1933, mas também não se pode dizer que fosse alfacinha de gema, pois os seus ancestrais vieram de fora, das zonas de Pedrógão (Leiria) e de Viana do Castelo. Há pouco tempo tínhamos estado em família por terras do norte e fomos ver familiares a Viana do Castelo, onde fomos bem recebidos e onde o meu pai e a minha mãe falaram dessas memórias do passado, e aproveitei e construí uma pequena árvore genealógica, que devo ter guardado avulso numa pasta de pendentes, que tenho um par delas. É de homem, ter assim um par de pendentes...



O meu pai foi engenheiro mecânico de profissão, depois de alguns trabalhos em tempos de férias a vender Tide de porta em porta, onde ganhou alguma experiência laboral... e de vida, pois como se imagina andar assim a bater à porta das donas de casa... pode trazer surpresas. Começou logo na SECIL (Outão - Setúbal), onde se fixou e criou a família que agora somos, ajudando no desenvolvimento do processo fabril. Foi aí nessa fábrica, onde vivíamos no bairro da fábrica mas no lado privilegiado dos engenheiros, com garagem, galinheiros, horta e jardim, que juntou muitas histórias de vida. A mais marcante terá sido o acidente em que ficou soterrado em carvão, que estavam a descarregar no porto. O carvão era o combustível utilizado nos altos-fornos e rezam as crónicas que a sua salvação foi o capacete que tinha na cabeça. Não evitou danos na coluna vertebral, que o atiraram para a cama durante uns meses até recuperar em pleno. Veio depois a revolução e um clima laboral muito alterado e conflituoso, e mesmo sem ser perseguido teve vontade de partir. Por pouco não fomos todos para a Venezuela, ainda se falou nisso, pois era o que atraía muitos portugueses na altura, mas acabou por ter uma oferta na CIMPOR (Souselas - Coimbra) e como os filhos um dia iriam seguir os estudos foi o destino escolhido.

Dos anos da CIMPOR tenho apenas memória de estarmos de férias no campismo em Penacova e ele ter que se deslocar à fábrica de vez em quando, porque estava de serviço nas horas e dias que normalmente seriam de descanso, e muito vagamente de lá ter ido com ele. Lembro-me também de antes de termos ido para a nossa casa em Santa Clara, o 1º esquerdo de sempre, termos vivido num apartamento num prédio altíssimo, o que foi uma mudança muito grande para quem esteve sempre pertinho da terra. Depois vieram anos de depressões nervosas e desmotivação e acabou por ter sido reformado antecipadamente. Foi então que começou a sua segunda vida laboral, como professor do ensino secundário. Em Coimbra, depois em Soure, depois no Entroncamento, onde fez a profissionalização em serviço, e já como professor de mecânica foi até à idade da reforma numa escola da Figueira da Foz. Quando era professor de matemática, em Soure, havia alunos que quando tinham um furo iam bater à porta onde ele estava a dar aulas e perguntavam se podiam assistir. Não haverá melhor reconhecimento que este, nem medalhas, nem prémios ou comendas. Já neste século, e reformado de tudo, teve ainda a gratificante experiência de leccionar aulas de alfabetização em Santa Clara, junto com a minha mãe.

O meu pai foi fumador, SG Ventil. Fumava em casa, como era hábito na época, mas lembro-me pouco de isso me incomodar quando era mais pequeno. Mas depois, em Coimbra, com os filhos adolescentes, por pressão familiar, quando fumava em casa tinha que o fazer na janela da marquise, ou então na varanda. Foi um precursor desta nova era em que os fumadores têm que fumar na rua, vinte anos antes das leis já ele passava frio para satisfazer o vício. Até que em determinada altura fez um tratamento médico para deixar de fumar e assim conseguiu deixar o vício.

Um dos sonhos do meu pai era fazer um cruzeiro, mas nunca a minha mãe aceitou acompanhá-lo. No início deste ano ainda pensei que ele ia ganhar algum ânimo e um dia destes organizava-lhe uma viagem por esse mundo marítimo fora. Mas depois de recuperar alguma energia, e porque acreditava na sua intuição, começou a fazer uma série de asneiras seguidas que resultaram em problemas com o sono, que depois derivaram no agravar de várias complicações que já trazia do passado. Como não dormia nem deixava o corpo descansar, começou a tomar banho todas as manhãs, dizia que tinha aprendido com uns ingleses, que um banho fazia o corpo reagir e acordar. O problema é que as noites mal dormidas e de levante se foram sucedendo, o corpo não descansava o suficiente e entrou em decadência acelerada. Um dia, ao desistir de o ajudar a contrariar esta sua auto-destruição, ainda lhe disse que a intuição é importante, sim, mas tem que ser muito inteligente. E ele prosseguia, deixando a sua inteligência apenas para o humor e para a gestão das coisas diárias, asneiras atrás de asneiras. Até que o organismo não aguentou mais.

Ficam muitas fotos e muitas memórias, e muitos livros e a herança. Estes últimos meses foram de grande aprendizagem e vou voltar ao tema. Fica aqui esta breve nota biográfica para memória futura, para netos e para bisnetos que não se vão lembrar de algum dia o ter conhecido.


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