Uma carta-aberta é aquilo que se usa quando já sabemos que o destinatário não nos vai responder... por falta de educação ou por outras razões fundadas na falta de carácter. Mas pelo menos que outras pessoas saibam que há alguém que tem a razão do lado dele.
Manuel Maria de Magalhães, professor contratado de filosofia, escreveu uma carta, indignado, ao primeiro ministro. Foi publicada no Público (como convém), fica aqui o link (clicar aqui).
2 comentários:
Integral da carta aberta: O meu nome é Manuel Maria de Magalhães e sou professor profissionalizado do grupo 410 (Filosofia), desde 2002. Desde então fui contratado por 13 escolas, em cinco distritos diferentes (Viana do Castelo, Braga, Porto, Guarda e Viseu). Em todas excedi sempre aquilo que me era pedido, como prova o reconhecimento, em alguns casos público e formal, que alunos, colegas, órgãos das escolas e encarregados de educação prestaram ao meu trabalho.
Em termos de formação contínua de professores desprezei sempre as acções de formação promovidas pelo ministério através das suas direcções regionais, que conjugam o verbo "encher" na perfeição, para procurar na academia a continuação dos meus estudos sob a forma de congressos ou mesmo na execução de duas pós-graduações nas áreas em que o meu grupo disciplinar se move. Em todas as escolas o meu trabalho foi avaliado, de acordo com o estipulado, tendo inclusivamente sido dos primeiros a submeter-se voluntariamente às "aulas assistidas". Em consequência das suas políticas educativas encontro-me no corrente ano desempregado e sem perspectivas de encontrar colocação nesta área, tal como dezenas de milhares de colegas meus, muitos deles com uma história profissional bem mais dura do que a minha e muitos mais anos de serviço. É neste quadro que Vossa Excelência, através do seu ministro da Educação, nos quer obrigar a fazer um exame para poder continuar a concorrer ao ensino. Era a humilhação que faltava e a maior de todas.
Ao enveredar por este caminho, Vossa Excelência está a descredibilizar todos os docentes com provas dadas nesta causa que é tomada como uma missão em prol do desenvolvimento do país. Está a descredibilizar as universidades que nos formaram e as escolas que nos avaliaram. Está a destruir a credibilidade do próprio ensino, através de uma avaliação retroactiva, sem fundamento, obscura nos seus contornos, pois até esta data pouco se sabe sobre o processo, que é mais próprio de regimes ditatoriais revolucionários do que de democracias maduras, onde todas as partes devem ser ouvidas.
Estou de acordo consigo num ponto: a Educação não está bem,apesar dos esforços de tantos, mas residirá apenas na classe docente a causa desse mal? Já reparou que todos os governos eleitos impuseram uma política de Educação diametralmente diferente dos anteriores? Já se deu conta que a Educação foi verdadeiramente uma área em que se "atirou dinheiro" para cima dos problemas na esperança que passassem? No ensino, como em muitas outras áreas, também existiu o privilégio do betão face à formação. Quantas escolas não têm psicólogos, sobretudo clínicos, que tanta falta fariam aos inúmeros casos dramáticos que assolam milhares de alunos? Que vínculos tem o Estado, através da Segurança Social, para ajudar a estabelecer pontes entre as famílias e a Escola? O que se (não) tem feito em termos de prevenção da indisciplina em ambiente escolar, seja na sala de aula ou fora dela? O que fez o Estado para promover a autoridade (não autoritarismo) do professor e do auxiliar de acção educativa que ainda é tratado, à maneira do Estado Novo, como um mero contínuo, desprezando o seu vital papel nas escolas? Construir ou renovar escolas não chega… Se quer introduzir alterações em atitudes e comportamentos dos docentes, este não é seguramente o melhor caminho. Se analisar a formação que o ministério nos disponibiliza, constatará que não tem, na maioria dos casos, qualquer interesse em termos pedagógicos. Já pensou em fomentar a ligação entre as universidades e as escolas neste sentido? Ao persistir neste caminho, Vossa Excelência encerra em si o pior modelo de docência: o do professor que obriga os alunos a uma avaliação para a qual não os preparou.
Integral da carta aberta #2:
Não temo como nunca temi qualquer forma de avaliação, mas não me sujeito ou humilho perante este cenário a que Vossa Excelência nos quer forçar. Não farei qualquer exame retroactivo, imposto de forma ditatorial. Se o preço a pagar for a exclusão definitiva do ensino, assumo-o. Mais importante do que as palavras que proferimos é o exemplo que perdura. A dignidade não está à venda e não posso ser incoerente com tudo o que tenho passado aos alunos que o Estado me entregou. Ainda assim tenho a esperança que Vossa Excelência tenha a humildade (uma das maiores, se não a maior, virtude humana) de reconhecer o erro que esta medida encerra e procurar novas soluções.
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