sexta-feira, março 17, 2006

O MEU PROCESSO EM CONTO INFANTIL - 4ª E ÚLTIMA PARTE

Aqui fica o último livrinho desta pequena série. Como das outras vezes é a 1ª pedrada escrita já de seguida. Quem tiver tempo para perceber melhor, aconselha-se a leitura da obra completa, por ordem cronológica. Se no futuro tiver pedidos de envio à cobrança desta obra que sejam, no seu total, superiores a 100 unidades, prometo fazer uma edição ilustrada. E até peço um patrocínio exclusivo ao Conselho Superior de Magistratura!

1 comentário:

João Paulo Pedrosa disse...

O MEU PROCESSO CONTADO ÀS CRIANÇAS E EXPLICADO AOS JUÍZES

LIVRINHO 4 – NÃO TEM GRAÇA TODA A ESTUPIDEZ QUE POR AQUI GRASSA


Pois foi assim mesmo que mais uma luta começou. Vamos lá então ver se o contrato foi cumprido ou não, e se o foi alguém terá que pagar muitos jantares entretanto perdidos pelo nosso amigo jardineiro.

O jardineiro larga os seus instrumentos de trabalho e pega na caneta. Escreve uma carta aos chefes funcionários públicos a defender-se das acusações, concluindo que o seu contrato tinha sido mais do que cumprido, tinha sido até um dos mais cumpridores, pois tinha feito pequenas podas, fazendo pequenas feridas nas árvores que rapidamente cicatrizavam, e que ficavam frondosas, tinha colhido no máximo 3% da fruta, ou seja, deixado 97%, respeitando aquele mínimo de 15% a que era obrigado, e havia novas pequenas árvores um pouco por todo o espaço.

Os chefes, cumprindo a sua tradição de cobardia institucional, respondem que não podem considerar que o contrato tenha sido cumprido, dando cobertura aos relatórios dos técnicos gorduchinhos. E apontam as razões asfixiantes: nem todas as árvores foram podadas e se no contrato falavam de um mínimo de 15% de fruta a não recolher é porque esse é um valor de referência, sendo, no seu entendimento, um valor médio a aplicar, pelo que os grandes desvios a esse valor eram, no seu entendimento de meros funcionários e na sua leitura untuosa, uma infracção ao contrato.

Ora aqui o nosso amigo jardineiro decidiu pôr a coisa em pratos limpos. Vamos lá a ver se quem tem o poder de aplicar as leis diz quem tem razão. Vamos lá a recorrer aos juízes. E mais uma vez, recorrendo aos advogados pagos pela administração. E mais uma vez os resultados foram muito esquisitos, para não dizer escandalosos.

No primeiro julgamento, a pedido do jardineiro, prova-se que o nosso amigo, e amigo das árvores e dos pássaros, cumpriu com as suas obrigações. Caso encerrado sem direito a receber indemnizações, porque o advogado nomeado foi incompetente nas alegações e o Juiz não quis ter o trabalho de analisar a questão.

Mas vem o segundo julgamento, por pedido dos poderosos administradores daquele inimaginável território, em que pediam a condenação do jardineiro, por não ter cumprido o contrato. Desta vez é nomeada uma advogada bem simpática para o defender.

O Meritíssimo Juiz avalia os documentos, chama para responder as testemunhas, de um lado os técnicos a defender o jardineiro, do outro lado os gorduchinhos a defender os seus chefes, derretendo-se e aplicando-se para que os sapatinhos dos seus superiores fiquem mais brilhantes do que nunca.

A sua sentença é peremptória: o jardineiro cumpriu com todas as suas obrigações expressas no contrato, com a recolha dos frutos, com a poda das árvores e com a regeneração das mesmas. Mas, como podia ter feito mais, salvo melhor opinião, devia ser condenado. Até parece mentira, mas num país inimaginável estas coisas acontecem com a maior naturalidade. O Meritíssimo Juiz, profundo conhecedor das leis, vê facilmente que o jardineiro cumpriu com as suas obrigações. Mas, salvo melhor opinião, talvez por ter um belo jardim na sua meritíssima moradia, opina sobre o trabalho do jardineiro. Ou quem sabe, por ser filho de algum modesto trabalhador agrícola e pensar que a sua opinião estará assim avalizada. Mas é prudente e sempre lá escreve que é salvo melhor opinião, o que numa sentença fica sempre bem. Mas fica-lhe mal achar que o jardineiro podia ter feito mais. A sua opinião é de que, no fundo, o jardineiro cumpriu com as suas obrigações, mas cumpriu pouco!

É claro que o jardineiro fica estupefacto, com o facto de ver tanta estupidez.

Com a advogada prepara um recurso da meritíssima decisão, onde chama a atenção para o facto de, por ter cumprido na íntegra com as obrigações do contrato, não poder depois ser condenado.

Esse recurso é analisado por mais 3 Meritíssimos Juízes, os quais escrevem uma sentença que é um exemplo de falta de profissionalismo, de incompetência, de falta de conhecimentos e da mais básica falta de inteligência. Rezava assim a meritíssima sentença: ficou provado no julgamento que o jardineiro trabalhou pouco (é certo que no contrato dizia que não era preciso trabalhar muito, bastava respeitar um mínimo de fruta que devia ficar nas árvores), até porque no que diz respeito à rotunda, o jardineiro semeou flores que um funcionário público achou que estavam mal semeadas. Como tal o jardineiro deve ser condenado.

Lembram-se os meus amiguinhos leitores do caso da rotunda? Pois neste julgamento sobre as árvores de fruto nunca se falou dessa questão, porque não tem nada a ver uma coisa com a outra, mas os administradores juntaram ao processo o que os seus técnicos gorduchinhos tinham escrito sobre a rotunda. E foi a esses escritos que estes três superiormente inteligentes e nunca por demais Meritíssimos Juízes, foram basear a sua sentença. Sim, porque num país inimaginável é fácil as opiniões de gente untuosa e sem formação terem força de lei.

Mas para juntar a isto, para que o jardineiro ficasse totalmente estupefacto, a sua advogada, que entretanto deixara de exercer para se dedicar à política, mas que recebera esta exemplar sentença, era da opinião que, da sua leitura rápida, não mereceria a pena recorrer para o Supremo Tribunal. Mas será que só o jardineiro é que lê as coisas devagar? Se esta sentença, que não tem nada que se aproveite, e que está cheínha de erros não merece ser avaliada por um tribunal superior, para que serve o tribunal superior?

Assim acaba esta estória deste nosso amigo jardineiro, que nesta data ainda está à espera de saber como tudo vai acabar. Nessa altura poderá ser possível escrever a moral da história, até lá muitas coisas se hão-de passar. E para saber as novidades, basta estar atento às novas edições deste conto, contado às crianças e explicado aos juízes.