terça-feira, agosto 22, 2006

INCENDIÁRIOS? ONDE?

Soube esta história, mais do que verídica, porque foi relatada por um amigo que participou nesta verdadeira aventura da estupidez e do exagero em Portugal. Este meu amigo é técnico do Ministério da Agricultura, e por pertencer à minoria dos que gostam de trabalhar no campo, e de ver os utentes dos serviços públicos satisfeitos e bem servidos, podem imaginar os problemas que os seus superiores lhe arranjam. Não foi este o caso. Esta história é mais parecida com aquilo que eu vivi, quando era agricultor a tempo inteiro.
Para desenvolver uma agricultura de ocupação do mundo rural, em colaboração com uma junta de freguesia, este meu amigo ajudou ao estabelecimento de um pequeno agricultor, na vertente da caprinicultura, tendo em vista um regresso de rebanhos a terrenos abandonados de montanha, com a revitalização do mundo rural e uma efectiva ajuda na prevenção dos fogos florestais.

Como a história, para ser bem contada, é um pouco longa, vou acabá-la na primeira pedrada, para os interessados poderem saber o seu final irónico.

1 comentário:

João Paulo Pedrosa disse...

O novo agricultor, já com uma nova mentalidade e com o apoio dos técnicos, sabe que a seguir a uma queimada em terrenos com matos muito desenvolvidos, não só aparece uma vegetação mais propícia para alimentar os animais, como se criam zonas onde a possibilidade de ocorrer um fogo no Verão é muito reduzida, criando uma descontinuidade na paisagem e na vegetação. É um dos princípios dos fogos controlados, reduzir a biomassa disponível para combustão no Verão, executando essa combustão de forma controlada nas outras estações do ano.
Foi assim que para a execução deste fogo controlado se envolveram meios do Ministério da Agricultura, do Ministério do Ambiente, da Junta de Freguesia, dos Bombeiros locais, da GNR, tudo feito com as autorizações burocráticas necessárias. Para além das barreiras burocráticas que era imperativo ultrapassar, era preciso ter um tempo seco, o que nunca é certo a não ser no Verão. Mas ainda para além disto, obrigaram o pequeno agricultor a fazer uma desmatação à volta dos 7 hectares (70 mil metros quadrados) previstos para a intervenção, o que ele fez manualmente, num trabalho árduo, com a ajuda de uma moto-roçadora e com um investimento considerável em combustível e em tempo. Só quando ele concluiu esta desmatação, abrindo um corta-fogo naqueles terrenos montanhosos, se marcou o dia certo da intervenção, que contava com a presença dos técnicos todos, dos bombeiros com duas viaturas, da GNR, do agricultor.
No dia da intervenção tudo corria bem, já não chovia há algum tempo, estava seco, sem vento forte, todos lá estavam conforme combinado. Os bombeiros posicionam-se no terreno, esticam as mangueiras. Mas as mangueiras não são suficientemente compridas para, num dos lados do fogo controlado preparado, atingir o final do terreno. As viaturas não estão preparadas para conseguir sair do caminho rural, e assim não conseguem abarcar a totalidade do terreno. Por 50 metros que as mangueiras não chegam lá. E os próprios bombeiros desaconselham a realização do fogo controlado. O meu amigo ainda insiste que num dia tão bom como aquele, e com tanta gente ali, e depois de tanta dificuldade em conseguir reunir as pessoas e com o corta-fogo ali tão bem feito, seria quase impossível deixar o fogo descontrolar-se, mas os bombeiros recusam-se a colaborar. Sem os bombeiros, os técnicos do fogo controlado já não se responsabilizam, e a acção é anulada. Ainda se tenta marcar para outro dia, mas depois vieram dias de chuva, houve indisponibilidades várias e o que aconteceu é que chegámos ao Verão sem o fogo controlado realizado. Lá ficou o pequeno agricultor com o seu investimento perdido, lá ficou com menos comida para as cabras no Verão, lá ficou revoltado com este sistema burocrático que não compreende que é preciso um equilíbrio entre a burocracia e a vida real das pessoas.
E se aquela zona arder neste Verão, o que apostava que vai acontecer (se é que não aconteceu já!!!), num incêndio incontrolável que devorará pelo menos dez vezes mais terreno, com um investimento muito superior dos nossos dinheiros para o combater (mas não em mangueiras mais compridas), este desgraçado agricultor ainda vai ser chateado pelas autoridades judiciárias, pois o fogo era seu desejo e ele torna-se no suspeito número 1.