sexta-feira, fevereiro 10, 2006

2º LIVRO INFANTIL - O CONTO QUE CONTINUA

O nosso amiguinho jardineiro continua as suas aventuras no reino onde a inteligência não reina nas instituições. Desta vez seguimos as suas aventuras nos Palácios da Justiça, onde a cegueira dos Juízes é tal que não sabem sequer avaliar as leis. Para ler na pedrada, e depois aguardar o novo capítulo. No primeiro livro, o jardineiro tinha acabado a sua denúncia pública da incompetência dos técnicos gorduchinhos, e abandona a sua actividade preferida. Que vai ele fazer a seguir?

1 comentário:

João Paulo Pedrosa disse...

LIVRO 2 – UMA JUSTIÇA QUE É CEGA


O nosso amigo jardineiro, sem outras alternativas para tentar fazer alguma luz sobre o problema que a estupidez da administração pública lhe criara, depois de reflectir, toma uma decisão: denuncia a incompetência dos governadores da tranquila cidade, a incompetência pública dos seus funcionários, mas, desta vez, aos poderosos juízes do inimaginável país. Como fica sem dinheiro, tem que recorrer aos ilustres advogados-de-fato-Dielmar, nomeados por uma organização insondável, cujo cabecilha aparece muitas vezes na televisão a falar do estado da justiça, o Senhor Bastonário da Ordem. Estes advogados, sempre bem vestidos, serão pagos pelos mesmos dinheiros que pagam os funcionários gorduchos. A primeira queixa que faz, a primeira vitória no processo: os governadores são obrigados a pagar as quantias que deixaram de pagar.

Mas o advogado-de-fato-Dielmar, apesar de ter ganho com uma vitória inquestionável, aceita uma decisão dos poderosos juízes, que está pejada de erros de avaliação dos enormes e irreversíveis prejuízos. E aceita-a sem discutir. O jardineiro ainda consegue apresentar uma queixa à Ordem dos Advogados, mas passados mais de três anos ainda estão a averiguar e a decidir o que fazer. Talvez por andarem muito pré-ocupados com o estado inimaginável da justiça naquele ilustre país.

E, porque a justiça tem coisas interessantes, apesar do jardineiro ter provado que houve um erro dos governadores, ao não lhe pagarem o que era devido - o que foi reconhecido pelos poderosos juízes - outros meritíssimos juízes decidiram avaliar se o jardineiro teria que devolver os pagamentos recebidos em anos anteriores, uma vez que os governadores lhes tinham pedido para condenar o dinâmico jardineiro, que tinha ousado fazer, imagine-se, um protesto público naquele país inimaginável, para reclamar dos seus direitos.

O processo chega à fase dos julgamentos. Testemunhas da acusação, bem mandadas pelos governadores, apenas uns funcionários públicos com a lição mal estudada. O nosso amigo jardineiro leva, como testemunhas, apenas outros profissionais da jardinagem, técnicos de empresas especializadas e de associações independentes. Prova-se que o jardineiro semeou cravos, mas também amores-perfeitos: todas as testemunhas, da acusação e da defesa, o afirmam. Prova-se que o jardineiro semeou os amores-perfeitos sem enterrar as sementes: todas as testemunhas, da acusação e da defesa, o afirmam. Prova-se que a densidade da sementeira era reduzida: todas as testemunhas, da acusação e da defesa, o afirmam. Não se prova nada que incrimine o nosso amigo, dinâmico tratador das flores, e, segundo a visão do esforçado advogado-de-fato-Dielmar nomeado pela Ordem, o julgamento correu muito bem.

Sai a sentença, que é peremptória: “estes factos traduzem o não cumprimento das obrigações assumidas pelo jardineiro no contrato que assinou com os governadores da cidade”. Mas em nenhuma parte do contrato se refere qualquer tipo de exigência, que nunca existiu. Mas o pior da sentença é quando se lê uma meritíssima asneira: “ainda que o jardineiro tivesse razões técnicas, ou outras condicionantes, para fazer as sementeiras como fez, não fez como lhe permitia e exigia o contrato assinado com os governadores: comunicar aos governadores qualquer alteração da área da rotunda”

O recurso desta sentença era obrigatório e, no recurso, chama-se a atenção para o facto de não existir nenhuma lei que obrigue um jardineiro a determinados procedimentos quando semeia flores numa rotunda, e explica-se que o não enterrar sementes, ou o mudar de flores, não se pode confundir com uma alteração da área da rotunda!!! Nunca houve incumprimento do contrato! No recurso, afirma-se que o meritíssimo juíz errou! E errou ao dizer que o jardineiro devia ter semeado de outra maneira, sem referir qual a lei que violava! E errou ao confundir as alterações decididas pelo jardineiro, no normal exercício das suas funções, com alterações da área da rotunda! Qual dos erros o mais grave, quando vindo da altura de um meritíssimo poderoso.

Mas o recurso é analisado por 3 outros poderosos juízes, que concluem que, mesmo que o jardineiro tivesse liberdade legal e contratual para escolher as sementes, a forma e a densidade de as semear na rotunda, essa até seria uma questão a abordar, mas nem valia a pena, porque teria sempre que avisar os governantes, porque no contrato era bem explícito: “comunicar aos governadores qualquer alteração da área da rotunda”.

Novo recurso, pois claro! Já eram 4 os meritíssimos juízes a confundirem a alteração da área da rotunda, com alterações das flores semeadas. Não fossem eles meritíssimos e, decerto, seria fácil terem que responder num tribunal, por tamanha falta de meritíssima cultura e de meritíssimos conhecimentos básicos da língua portuguesa. Desta vez, o recurso era para o Supremo Tribunal. E se alguém espera que, no final desta estória, os meritíssimos supremos juízes concordem que os seus colegas juízes erraram, que os meritíssimos supremos juízes concordem que um jardineiro tinha mais razão que os governadores... pois bem, se esperam, não são de certeza pessoas que moram naquele inimaginável país. Os 3 meritíssimos supremos juízes concordaram entre si que:

O jardineiro, ao recorrer, tinha referido a questão da grave confusão entre a área da rotunda e as flores lá semeadas, quando essa questão era uma questão secundária da sentença e da decisão dos 3 meritíssimos juízes, e também do juíz meritíssimo que analisou o julgamento.

O jardineiro, ao recorrer, citava leis, mas não referia quais as leis que definiam quais as flores a semear, nem como as semear, pelo que os 3 meritíssimos superiores juízes achavam que o nosso amigo jardineiro não tinha nenhuma razão.

Assim termina este capítulo desta estória, que se passa num país inimaginável e, só por isso, se consegue imaginar como sendo possível de acontecer.

Moral do livro: se moras num país inimaginável, nunca aceites um julgamento por juízes que são cegos, ou pior, que não querem ver!!!